As cortinas ainda estavam abertas, deixando entrar o sol por entre as fisgas do estor fechado.
O pó acumulava-se por cima dos móveis que nunca foram cobertos, porque quem deixou esta casa, fê-lo num acto de coragem irracional, sem saber para onde ia nem quando iria regressar.
Subitamente sentiu inveja no seu coração, queria ser livre como essa pessoa, agarrar uma oportunidade ou simplesmente decidir que a sua vida iria mudar sem ter qualquer medo, ou até mesmo, tendo medo, enfrentando-o. Mas por enquanto ali estava... À porta de uma casa fria, escura e solitária. Tal como ela.
Ao puxar o estor para cima, deixando entrar a claridade do dia na casa que há muito não a via, reparou numa moldura partida ao lado de uma pequena mesa de apoio. Dentro da moldura restava uma fotografia rasgada, com a cara de uma mulher. Era bonita. Tinha olhos castanhos escuros, mas não daqueles que toda a gente tem, eram quase pretos e tinham um brilho que de certo não estava totalmente captado na fotografia, mas ainda assim, era um brilho especial, como se tudo naqueles olhos gritasse vida. Os lábios eram cheios e estavam pintados de vermelho, condizendo com o vestido que usava. O cabelo castanho claro estava preso, e de repente parecia-lhe que conhecia aquela pessoa, não de agora, mas de um passado longínquo. Tentou ignorar aquela sensação, a memória prega-nos partidas estranhas, mas guardou a foto no bolso das calças.
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