O mar azul lá ao fundo embalava as rochas no seu canto lento e suave, de um fim-de-dia cansativo e sonolento. O vermelho do sol espelhado no céu reflectia-se nas janelas do bar da praia.
"Já falta pouco para acabar o turno", pensei. O pequeno bar de madeira estava praticamente deserto. Dois rapazes acabavam um gelado na esplanada e um senhor nos seus cinquentas bebericava um café.
"Quando se forem embora fecho, só faltam cinco minutos para as sete".
Perdida nos meus pensamentos, não me dei conta de que entretanto se tinham juntado mais quatro rapazes aos dois da explanada.
"A tia Gertrudes deve vir cá amanhã. Pff, devo ter que passar o dia todo a ouvi-la falar dos seus oito gatos e de como estão tão grandes - Boa."
De repente oiço o barulho de algo a estrilhaçar-se na rua e automáticamente olho para lá, mesmo a tempo de ver um dos rapazes que estava sentado, ser atirado para cima duma mesa, que caiu ao chão. Já era a terceira vez este mês que tinha confusões destas no bar. Provavelmente até eram os mesmos rapazes, mas no meio da confusão não sabia dizer.
Peguei no estintor e corri para o local da briga. Já sabia como lidar com isto - aprende-se bastante nos filmes.
Gastei metade da carga do estintor em cima dos rapazes que começaram a briga, até que eles finalmente pararam. Olharam-se como dois bois prestes a recomeçar a luta, mas os outros rapazes depressa os seguraram e evitaram que eu acabasse com o resto do pó do extintor.
- Não sei se é de odiarem o bar ou porque me querem ver despedida, mas corrijam-me se estou enganada, não tivémos já esta conversa duas vezes? - gritei-lhes enfurecida. Não consigo perceber o que vai na cabeça desta gente, mas terão que fazer isto sempre no meu bar?
Por uns momentos nenhum deles falou, continuando a olhar uns para os outros, até que um deles olhou para mim e disse:
- Tens razão. E pedimos desculpa. Tenho a certeza que um destes dois não se vai importar de pagar o cinzeiro. - Nem tinha reparado que estava um cinzeiro feito em cacos aos meus pés. Então foi daí que veio o barulho do vidro partido.
- É, acho bem. - voltei-me para os rapazes que se brigaram, que agora já olhavam para mim, embora aposto que não me estavam a ver - E vocês os dois, da próxima vez que quiserem provar que são muito machos, façam-no fora daqui, estão a afastar os clientes.
Agora que olhava bem para eles, vi que os conhecia. Salvador Guimarães e Rodrigo Capitão. Dois dos rapazes mais ricos aqui das redondezas. Seria de esperar que fossem grandes rivais, no entanto até há cerca de um ano eram os dois melhores amigos. Isto até o pai do Salvador e a mãe do Rodrigo se envolverem. Esta deixou o marido para ficar com o pai de Salvador, no entanto este não se divorciou da mulher, que com o tempo acabou por o perdoar. Ou assim parece.
Ambos andaram comigo até ao sexto ano, mas não tinha a certeza que ainda se lembrassem de mim. Afinal eu sempre fora a mais calada da turma e não falava muito com eles. Agora já estávamos no 12º ano e passados todos estes anos nunca mais dirigimos sequer um olá uns aos outros.
- Eu posso pagar Beatriz - disse-me Salvador, tirando a carteira - Quanto é?
Bem, afinal lembrava-se.
- Não sei, mas amanhã posso perguntar ao Sr. Amílcar e depois digo-te. Se pudesses passar cá amanhã era bom. - respondi-lhe. Esperei por uma resposta, mas esta não chegou. O Salvador apenas acenou e começou a ir-se embora, seguido do amigo que estava com ele antes da briga.
Os outros foram-se embora pelo lado contrário, para causar a famosa saída dramática. "Rapazes..." pensei, enquanto ia buscar a vassoura para limpar os cacos.
"Belo fim de tarde".
(continua)